Cassinos e jogo do bicho em pauta: o Senado corre para legalizar o físico enquanto sufoca o digital
- Fred Azevedo

- 17 de jun.
- 5 min de leitura
Atualizado: 24 de set.
Com apoio do Planalto, PL 2234/2022 deve ser votado antes do recesso. Mas a contradição é óbvia: aposta física vira solução econômica, enquanto o mercado online é tratado como ameaça social. Qual é o critério?

“Trabalhamos para votar o PL ainda neste semestre. Ele não trata das apostas online. Cria um modelo seguro, controlado, com exigências rígidas de compliance.”— Senador Irajá (PSD-TO), relator do PL 2234/22
O Senado Federal decidiu correr com a legalização dos cassinos, bingos e jogo do bicho no Brasil. O PL 2234/2022 — em tramitação há décadas — deve ser votado em regime de urgência ainda em junho, antes do recesso parlamentar.
A articulação é liderada por Davi Alcolumbre (União-AP) e relatada por Irajá (PSD-TO), com aval explícito do Palácio do Planalto. A palavra de ordem é: aprovar.
O movimento contrasta com o tratamento dado ao setor de apostas online (as “bets”), que nas últimas semanas passou a ser alvo de aumento de impostos, propostas de nova CIDE e campanhas de restrição.
A diferença de abordagem entre os dois tipos de jogo revela uma contradição institucional e um viés político que ainda não foi assumido publicamente: o governo quer canalizar o jogo para onde tem controle direto — e transformar o resto em bode expiatório.
A promessa: arrecadação bilionária e geração de empregos
A principal justificativa apresentada pelo Senado para acelerar a legalização dos cassinos é econômica.
O PL prevê arrecadação anual de até R$ 20 bilhões em impostos e a criação de até 1 milhão de empregos, entre diretos e indiretos, por meio da instalação de resorts integrados com cassinos físicos, um por estado — com exceção dos maiores, que poderão ter até três.
O jogo do bicho, por sua vez, poderá operar sob regime de outorga do governo, ainda a ser regulamentado. Os bingos também retornariam, mediante regras específicas de licenciamento.
O discurso do relator é que se trata de uma política de turismo, investimento estrangeiro e controle social, não uma liberação irrestrita de jogo. O modelo apresentado se inspira nos moldes de Las Vegas, Macau, Lisboa e Punta del Este.
A base social: o povo quer — e o Planalto não vai atrapalhar
A legalização não encontra resistência nas pesquisas. O levantamento mais recente do DataSenado, com mais de 5 mil entrevistas, aponta que 60% da população apoia a liberação dos jogos físicos, e 75% reconhecem que a proibição atual não impede a prática ilegal.
O Planalto, que poderia travar a votação, sinalizou apoio: não há objeções formais da Casa Civil, nem da Fazenda, nem da Secretaria de Relações Institucionais.
Pelo contrário: a leitura política do governo é que o tema rende voto, traz dividendos econômicos e tira o foco da crise das bets.
A contradição: quem aposta no físico é turista, quem aposta no digital é doente?
A mesma classe política que agora corre para legalizar o jogo físico passou as últimas semanas atacando publicamente o mercado online de apostas, elevando sua carga tributária, propondo novas CIDEs, ameaçando vetar campanhas publicitárias e dizendo — com todas as letras — que o setor precisa ser “repensado”.
O ministro Fernando Haddad chegou a dizer que “não gosta de jogo” e que “as bets deveriam ser revistas pelo Congresso”. Já Geraldo Alckmin sugeriu aumento da alíquota do GGR para até 27%.
Paralelamente, o senador Eduardo Girão (Novo-CE) continua pregando contra apostas com base moralista, enquanto outros parlamentares dizem que “as bets estão viciando crianças”.
Mas, curiosamente, o projeto de legalização não trata as apostas presenciais com o mesmo tom.
Pelo contrário: os cassinos são vendidos como solução econômica. Os bingos, como ferramenta social.
O jogo do bicho, como patrimônio cultural.
A pergunta inevitável: por que o jogo físico seria civilizatório, e o digital, uma ameaça?
A resposta: onde o Estado não manda, ele demoniza
O que está por trás da diferença de abordagem não é técnica. É política.
O setor de apostas online é privado, descentralizado, digital, transfronteiriço e altamente dinâmico. Mesmo com regulação, exige um novo tipo de Estado: com vigilância algorítmica, antifraude via IA, interoperabilidade entre gateways e plataformas, rastreamento bancário em tempo real.
O setor físico, por outro lado, é territorial. Tem lobby concentrado. Exige outorga física. Gera obras. Traz imagem de “presença estatal” com resort, CNPJ, bandeira e fiscalização local.
É mais fácil de narrar. E mais fácil de controlar.
Por isso, o jogo físico virou “desenvolvimento”. E o online, “desastre”.
O risco: trocar um mercado fluido por um modelo cartorial
O PL 2234/22 tem méritos. Cria regras claras para cassinos físicos, impõe restrições geográficas, exige capital mínimo para operação, exige compliance e veda operação digital.
Mas também carrega riscos:
Centralização por estado pode gerar cartel local.
Restrições à operação digital podem defasar o modelo em poucos anos.
Exclusão do operador nacional pode favorecer investidores estrangeiros.
E a ausência de sinergia com a regulação das bets pode fragmentar o mercado.
O Brasil pode estar legalizando o jogo — mas criando dois mundos paralelos que não se falam.
O que não está no texto: integração com o sistema nacional de jogos
Para funcionar, a legalização dos cassinos precisa conversar com o sistema de regulação das apostas online.
É preciso:
Criar um cadastro único de operadores e apostadores;
Integrar mecanismos de prevenção à ludopatia;
Exigir interoperabilidade entre sistemas de compliance;
Amarrar os tributos em uma base racional e progressiva;
E garantir que o jogador não seja transformado em alvo duplo: da taxa do físico e da criminalização do digital.
Hoje, isso não existe.
Conclusão: legalizar não é contradizer — é alinhar
Legalizar os cassinos e o jogo do bicho pode ser avanço. Mas só será, de fato, uma política pública moderna se vier acompanhada de coerência.
Não dá para aprovar resorts com cassinos enquanto se demoniza um jogador de R$ 50 que aposta via Pix numa bet licenciada. Não dá para falar em compliance no físico e ignorar a pirataria online. Não dá para liberar um e censurar o outro.
A hora é de construir uma política nacional para jogos no Brasil. E isso exige maturidade — não moralismo seletivo nem populismo fiscal.
Nota editorial
O Portal Fred Azevedo acompanha com rigor e independência a consolidação da regulação de apostas e jogos no Brasil. Somos favoráveis a um mercado seguro, fiscalizado e integrado, seja físico ou digital. O que não aceitamos é incoerência institucional.
A legalização dos cassinos deve dialogar com a estrutura já em funcionamento nas bets — e não operar como discurso de ocasião. Seguiremos fiscalizando. Onde houver jogo, deve haver regra. Onde houver regra, deve haver respeito.
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