Quando uma licença vale mais que a marca: o caso HanzBet e o conflito silencioso dos slots no Brasil
- Fred Azevedo

- 22 de jul
- 4 min de leitura
Atualizado: 16 de set
Em 21 de julho de 2025, a HanzBet anunciou oficialmente o encerramento de suas atividades no Brasil. O aviso, discreto, surgiu dentro da própria plataforma: uma imagem genérica com data-limite para apostas e orientações para saque até 31 de julho. Sem protocolo público. Sem comunicado jurídico. Sem termo de encerramento assinado.
Para os jogadores, parecia apenas o fim de mais uma operação. Mas para os bastidores da indústria — e especialmente para os fundadores da marca — o episódio foi o estopim de uma crise institucional sem precedentes: a primeira disputa pública por controle de slot desde que a Lei 14.790:2023 entrou em vigor.

Quando a porta fecha sem a chave
Por trás da marca HanzBet, a estrutura de licenciamento era pouco conhecida do público. A operação estava alocada sob a licença da empresa EA Entretenimento e Esportes Ltda., detentora da outorga junto à Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda (SPA/MF). Esse tipo de arranjo — conhecido como "slot" — permite que uma empresa licenciada hospede até três marcas comerciais sob sua autorização principal.
É um modelo comum no setor, mas com riscos latentes: a marca depende da boa-fé e da governança do titular da licença. E quando esse elo se rompe, o operador da marca fica sem controle sobre o próprio negócio.
Foi exatamente o que os fundadores da HanzBet alegam ter acontecido.
Segundo comunicados publicados por Eduardo Peres (CMO) e Gabriel Martins (CEO), a EA teria assumido unilateralmente o controle da operação, removido os fundadores de todos os canais financeiros e administrativos, e decretado o fim da marca sem consulta ou consentimento. "Vivemos uma verdadeira ditadura operacional", afirma Peres.
Acusações dos fundadores da HanzBet: retirada de liquidez, falta de pagamento e redirecionamento de base
As denúncias não param no desligamento. Os fundadores da HanzBet relatam que, ao mesmo tempo em que a EA publicava um aviso pedindo que os jogadores sacassem seus saldos, a liquidez da operação foi retirada — tornando os próprios saques inviáveis. Segundo ele, “induziram os clientes a sacar, mas os fundos haviam sido esvaziados” — acusação que a EA nega veementemente em nota oficial.
Mais do que isso: a equipe afirma ter provas em vídeo e imagem de um redirecionamento ativo da base de clientes da HanzBet para a BateuBet, outra marca operando sob a mesma licença da EA. Um botão de bônus e mensagens do suporte humanizado estariam guiando usuários diretamente ao novo domínio — sem qualquer transição transparente.
O caso ainda envolve bloqueios de pagamento para afiliados, fornecedores e prestadores de serviço, muitos dos quais sequer foram comunicados oficialmente. Toda a operação foi, segundo os relatos, tomada de forma abrupta e sem diálogo.
O risco dos slots: estrutura precária para uma indústria bilionária
A crise escancara um ponto sensível da regulação atual: a permissão para que uma mesma licença dê cobertura a três marcas distintas. Na prática, isso cria um mercado de "alocação de slots" em que empresas vendem espaço regulatório para terceiros — muitas vezes sem mecanismos de proteção real para quem adquire o direito de uso da marca.
A Lei 14.790/2023 é clara ao exigir que o operador autorizado pelo Ministério da Fazenda seja responsável direto pela operação (art. 6º), com estrutura de atendimento, ouvidoria, dados financeiros segregados e capital integralizado no Brasil (art. 7º). Mas a lei não detalha os mecanismos de governança entre quem detém a licença e quem opera uma marca sob ela.
Isso abre espaço para disputas como a da HanzBet — onde o operador da marca se vê sem amparo jurídico imediato quando o detentor da licença decide encerrar a parceria.
Base legal: o que diz a legislação
Segundo o art. 27 da Lei 14.790, todos os direitos previstos no Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) são aplicáveis aos apostadores, incluindo o direito à informação clara, à proteção contratual e à responsabilização em caso de prejuízo.
Além disso, o art. 22 da mesma lei determina que os recursos dos apostadores devem estar segregados do patrimônio do operador e não podem ser usados para outras finalidades. Caso os relatos sobre a retirada de liquidez se confirmem, há potencial indício de infração grave — inclusive com possibilidade de ação coletiva por danos materiais.
A ausência de canal de atendimento específico para parceiros comerciais e a não quitação de comissões contratuais também esbarram em princípios de boa-fé e transparência, exigidos de qualquer agente econômico regulado.
O outro lado: EA Entretenimento
A redação do Portal Fred Azevedo entrou em contato com a EA Entretenimento e Esportes Ltda. por e-mail no dia 21/07 às 17h42, solicitando posicionamento oficial sobre:
O encerramento da marca HanzBet;
O redirecionamento de usuários para a BateuBet;
O bloqueio de pagamentos a afiliados e prestadores de serviço;
A suposta retirada de liquidez da operação.
Até o momento desta publicação, não houve resposta.
É importante destacar que, diante da ausência de manifestação pública da EA, ainda não se conhecem os termos contratuais que regiam a relação entre a detentora da licença e os responsáveis pela marca HanzBet. Questões como cláusulas de controle, governança financeira e obrigações recíprocas permanecem, por ora, sob especulação.
Reflexão editorial: quando a marca desaparece, quem responde?
O caso da HanzBet deixa um alerta incômodo: no modelo atual, uma marca pode ser construída por anos — com branding, afiliados, campanhas, operação funcional — e ainda assim ser desligada da noite para o dia, sem direito de contestação imediata.
Mais grave: a base de jogadores pode ser tratada como ativo redirecionável, como se fossem meros números em um CRM reaproveitável por outra marca da mesma licença.
É urgente que o Ministério da Fazenda — por meio da SPA — regulamente de forma mais rigorosa os slots. A titularidade da licença não pode ser um cheque em branco para desligar marcas inteiras sem prestação de contas. E tampouco pode permitir redirecionamento de base sem autorização expressa do consumidor.
A crise da HanzBet não é um episódio isolado. É um sintoma. E, se nada mudar, é só uma questão de tempo até que a próxima marca desapareça — levando com ela a confiança de milhares de jogadores e parceiros que acreditaram estar sob um regime legal de apostas no Brasil.


