Cassinos, bicho e bingo: Alcolumbre quer votar legalização nas próximas semanas
- Fred Azevedo

- 20 de jun.
- 6 min de leitura
Atualizado: 24 de set.
Enquanto o Brasil ainda tenta digerir as regras das apostas online — com um sistema regulatório que mal saiu do papel — outro movimento avança nos bastidores de Brasília: a tentativa de legalizar, de uma vez, todas as modalidades de jogo de azar atualmente proibidas no país.

À frente dessa articulação está o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), que vem se movimentando para levar ao plenário, ainda neste semestre, um projeto que autoriza a instalação de cassinos em resorts, libera o funcionamento permanente de bingos e até regulariza o jogo do bicho em todo o território nacional.
A intenção é transformar em política oficial aquilo que por décadas foi tolerado apenas na ilegalidade — e, em muitos casos, explorado por esquemas criminosos.
Essa investida não é de agora. O texto em questão foi aprovado pela Câmara dos Deputados em 2022, sob forte influência do então presidente Arthur Lira (PP-AL), que mobilizou sua base para garantir a votação. Já no Senado, a proposta está sob responsabilidade do senador Irajá Abreu (PSD-TO) e conta com apoio de siglas do centrão, como PP e União Brasil.
Também há apoio pontual de setores do governo, especialmente ligados ao turismo, que enxergam na medida uma oportunidade de atrair investimentos e impulsionar a economia regional.
O que está no projeto?
O projeto traça um novo mapa do jogo legal no país. Prevê a instalação de cassinos integrados a complexos turísticos — com hotéis, centros de convenções e outras atividades de lazer — e autoriza a existência de casas de bingo permanentes, inclusive dentro de estádios de futebol. O tradicional jogo do bicho também ganharia status legal, com permissão para operação regular e contínua.
Além disso, o texto abre espaço para cassinos embarcados, tanto em rios quanto no mar, o que levanta alertas quanto à fiscalização tributária e à jurisdição legal. Os operadores interessados precisarão demonstrar capital social mínimo de R$ 100 milhões, e cada licença poderá valer por até 30 anos — um prazo generoso, mas que também concentra poder e dificulta a entrada de novos concorrentes.
Estados x União: um novo embate regulatório?
A proposta de legalização dos cassinos-resorts em território nacional pode reacender uma disputa já conhecida no setor: o embate entre a União e os governos estaduais sobre quem deve regular e fiscalizar essas operações.
Diferente das apostas de quota fixa — que acontecem em ambiente digital, com operadores licenciados nacionalmente — cassinos físicos inseridos em resorts, estádios ou embarcações fluviais têm impacto direto sobre o território, o turismo e o desenvolvimento regional. Por isso, há quem defenda que o licenciamento, a fiscalização urbanística e até parte da tributação deveriam ser definidos localmente, conforme as características e prioridades de cada estado.
Nesse contexto, a tentativa de centralizar todas as decisões no âmbito federal pode ser vista como um esvaziamento das competências estaduais, contrariando inclusive o princípio do pacto federativo previsto na Constituição. Estados com potencial turístico e infraestrutura consolidada — como Ceará, Bahia, Rio de Janeiro e Paraná — podem reivindicar autonomia para decidir quantos cassinos comportam, onde devem ser instalados e como será a contrapartida social exigida dos operadores.
Sem clareza sobre esse arranjo federativo, o risco é o de um modelo engessado e litigioso, onde decisões em Brasília não dialogam com as realidades locais — e abrem espaço para judicialização, insegurança jurídica e disputas por poder regional.
Quais as consequências jurídicas?
Jurisdição e fiscalização tributária fragilizadas
Risco de conflitos ambientais e territoriais
Dificuldade em aplicar normas de jogo responsável e combate à ludopatia (Lei nº 14.790/2023)
Concessão de longo prazo e concentração de mercado
Conflito com normas internacionais de combate ao crime financeiro
Além disso, o modelo prevê número limitado de concessões por estado, com exceção de São Paulo, que poderá abrigar até três cassinos. Os demais estados ficariam, na maioria dos casos, com apenas uma autorização — medida que pode gerar concentração de mercado e disputas políticas locais pelo controle dessas licenças.
Embora o formato possa ser legal, isso depende de uma justificativa objetiva, estudos técnicos, proporcionalidade e processo licitatório claro. Caso contrário, há risco de o modelo ser considerado inconstitucional ou anticompetitivo, por configurar discriminação regional arbitrária, favorecimento político ou restrição artificial à livre iniciativa.
Freios institucionais e oposição religiosa
Apesar do esforço de articulação, a ofensiva de Alcolumbre encontra resistência.
Partidos de oposição como o PL já manifestaram objeções, mas o maior entrave está na bancada evangélica. Com presença significativa nas duas casas do Congresso, o grupo tem como bandeira histórica a oposição a qualquer tipo de jogo de azar — seja por motivos morais, seja por pressão de suas bases eleitorais.
Mais do que uma guerra de valores, o impasse revela uma disputa por protagonismo político. Entrar em um acordo sobre a liberação dos jogos significa mexer em interesses variados: concessões, impostos, destinação de arrecadação e até alianças regionais. Ceder em um lado pode significar perder poder em outro.
Se o Senado aprovar o texto sem alterações, o projeto segue direto para sanção ou veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva — uma decisão que carregará implicações políticas e simbólicas de grande peso, tanto no mercado quanto na opinião pública.
Por que isso volta agora?
A movimentação não é isolada.
Em meio a um cenário de déficit fiscal e expansão do mercado de apostas, a legalização ampla dos jogos surge como promessa de arrecadação fácil — embora o histórico de outros países mostre que a equação nem sempre fecha.
O lobby do setor turístico também pressiona: a ideia de “cassinos-resorts” busca replicar modelos de sucesso em Las Vegas, Macau ou Punta del Este. A diferença? O Brasil não tem, ainda, um modelo de fiscalização consolidado.
O que deveria vir depois da legalização — estrutura regulatória, regras de integridade, proteção ao consumidor — já nasce correndo atrás da própria sombra.
Onde isso se conecta com as apostas online?
A Lei nº 14.790/2023, que regula as apostas de quota fixa (como o que se vê em casas de apostas esportivas), trouxe à tona uma série de demandas por controle, transparência e responsabilidade. A estrutura de fiscalização, prevista em diversas portarias do Ministério da Fazenda, ainda está sendo implementada, com foco em temas como lavagem de dinheiro, jogo responsável e integridade esportiva.
Legalizar cassinos físicos e outras modalidades de jogo de azar sem antes consolidar esses mecanismos é, no mínimo, temerário.
Cassinos não seriam só jogo: o lado favorável da proposta que Alcolumbre quer votar
Os defensores da proposta argumentam que a legalização das modalidades atualmente proibidas pode gerar empregos, impulsionar o turismo e ampliar a arrecadação fiscal. O modelo de cassinos integrados a resorts já é adotado com sucesso em países como Estados Unidos, Uruguai e Macau, sendo visto como oportunidade de desenvolvimento regional — especialmente em áreas com potencial turístico ainda pouco explorado.
Parte do governo federal, incluindo representantes do Ministério do Turismo, também vê com bons olhos a iniciativa. Segundo aliados de Alcolumbre, o impacto econômico positivo é um dos principais argumentos para a votação do projeto ainda neste semestre
Até o fechamento deste artigo, o gabinete do senador Davi Alcolumbre não respondeu ao pedido de posicionamento enviado por e-mail. O espaço segue aberto.
Reflexão final: mais jogo, menos controle?
A pauta pode até parecer promissora para o investidor e o turista, mas escancara uma contradição central: o Brasil está tentando legalizar tudo ao mesmo tempo — sem ter implementado direito quase nada. Regula-se o cassino físico quando nem o KYC obrigatório das bets online está funcionando de forma robusta.
A legalização ampla dos jogos de azar, nos moldes propostos, corre o risco de repetir velhos erros: prometer receita, ignorar vício, terceirizar responsabilidade.
Legalizar o jogo não é só abrir a porta para o cassino.É abrir a porta para o Estado assumir o que ainda não quer: a responsabilidade por proteger quem entra nele.
Nota de edição:
Este artigo foi produzido com base em apuração independente, análise legal e revisão técnica da legislação vigente. Embora tenha como ponto de partida a movimentação revelada por veículos da grande imprensa, o conteúdo é original e reflete a linha editorial do Portal Fred Azevedo. Este artigo integra a cobertura crítica e independente do Portal sobre regulação, arrecadação e responsabilidade institucional no setor de apostas.
Fontes: BnlData
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