A guerra entre bancos e bets: quem vai sangrar primeiro?
- Fred Azevedo
- há 6 dias
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Atualizado: há 6 dias
23 milhões apostaram em 2024. Metade está endividada. O governo sabe, mas preferiu liberar consignado a discutir o impacto das bets.

Uma pesquisa divulgada no fim de abril pela Anbima e o Datafolha revelou o que muita gente já via nos grupos, nos Pix e nas conversas do fim do expediente: 15% da população brasileira apostou em plataformas de bets em 2024.
Isso representa 23 milhões de pessoas acima dos 16 anos. Em 2023, esse número era 14%. Mas o dado que realmente acende o alerta é outro: quase metade dessas pessoas está endividada.
São mais de 11 milhões de brasileiros que estão ao mesmo tempo com o nome comprometido e o saldo indo pra múltipla da noite.
O comportamento mudou. E o dinheiro também.
De acordo com o levantamento, os apostadores frequentes gastam em média R$ 216 por mês nas bets. Entre os que apostam ocasionalmente, a média ainda gira em R$ 102.
E mais: quem não tem reserva financeira ou mantém tudo na poupança é justamente quem mais aposta. Em outras palavras, é o dinheiro da base da população — e não o dos milionários — que está sustentando o cassino digital.
Vamos aos números: R$ 216 multiplicados por 11 milhões de endividados que continuam apostando resultam em R$ 2,3 bilhões por mês — dinheiro que deixa de pagar faturas, carnês e acordos bancários.
E onde isso bate? No caixa dos bancos.
Crédito pessoal mais travado.
Cartão rotativo mais inadimplente.
Renegociação estagnada.
O sistema bancário tradicional sentiu o golpe. E quando os bancos começam a perder margem no varejo porque o dinheiro está indo direto para o Pix das bets, o governo escuta.
A reação? FGTS na jogada: de novo.
No fim de 2024, o governo anunciou que qualquer cidadão com saldo no FGTS poderia contratar empréstimo consignado, mesmo sem convênio com empresa.
Antes, esse tipo de operação exigia que o banco e a empresa do trabalhador tivessem um acordo. Agora, não precisa mais“, facilidade pro trabalhador”, disseram.
Mas não é difícil entender a real motivação:
➡️ É uma resposta à crise silenciosa de liquidez que começou com a explosão do iGaming.
Não é teoria da conspiração.
É economia básica: quando milhões de brasileiros param de pagar a fatura e começam a apostar em roleta online, o banco para de girar crédito.
E o governo entra com lastro garantido — via FGTS — pra tentar segurar o sistema.
O risco agora é estrutural.
As bets não estão mais na margem, estão no centro do comportamento financeiro de uma geração inteira.
📊 25% dos apostadores são da Geração Z (16 a 28 anos).
📊 21% são millennials (29 a 43 anos).
Essa galera não está esperando boletos vencerem, está tentando dobrar R$ 50 numa múltipla.
E não é só sobre perder, segundo a pesquisa:
📌 10% dos apostadores já recorreram a empréstimos ou venda de bens pra continuar jogando.
📌 30% já apostaram mais do que podiam perder.
📌 52% tentaram recuperar perdas apostando mais.
Ou seja: a engrenagem de crédito está colidindo com o comportamento de aposta.
E os bancos? Estão perdendo o jogo.
No relatório de risco apresentado por Gabriel Galípolo, presidente do BC, já há alerta sobre inadimplência mais alta entre usuários frequentes de apostas.
Os bancos sabem disso. E o governo, ao invés de abrir esse debate com transparência, respondeu do jeito que sempre responde quando o mercado aperta: injetando crédito na base, com o fundo de garantia como fiador.
O que ninguém está dizendo, mas todo mundo deveria.
Não se trata de julgar o apostador.
O problema não é moral. É estrutural.
O que estamos vendo é uma mudança radical na forma como o brasileiro se relaciona com risco, retorno e dinheiro.
📱A aposta virou uma espécie de investimento instantâneo, o banco virou cobrança, burocracia, enrolação. E o Pix venceu o crédito.
E enquanto isso, a política pública reage como se ainda estivéssemos em 2012.
FGTS é o paliativo de sempre
O governo não quis bater de frente com o mercado de apostas que já está regulamentado pela Lei 14.790/2023. E também não quis admitir que os bancos estão com problema de giro na base.
Então usou o velho truque: liberar crédito garantido por fundo público.
Funciona no curto prazo. Mas não resolve. Porque o comportamento já foi capturado.
E a liquidez — que antes voltava pro sistema bancário — hoje está indo pra um saldo na bet.
Considerações finais
Os dados da Anbima mostram o que muita gente no mercado ainda resiste em admitir:
As bets estão drenando liquidez do sistema financeiro tradicional.
E o governo, pra não comprar briga com nenhum dos lados, tá colocando o FGTS pra estancar sangria.
O sistema tá funcionando?
Sim. Mas no modo emergência silenciosa.
📉 O banco tenta segurar.
📱 A aposta atrai.
💼 O governo improvisa.
Enquanto isso, o comportamento do consumidor mudou — e ninguém está levando isso a sério o suficiente.