Demonizar as apostas é fácil, entender o Brasil é bem mais difícil
- Fred Azevedo

- 19 de mai.
- 6 min de leitura
Atualizado: 26 de set.
Enquanto a CPI das Apostas viraliza com trechos de gameplay ao vivo, selfies com depoentes e padres de batina pedindo espaço para “dar o exemplo”, um problema bem maior segue invisível: a forma como o debate sobre apostas online tem sido tomado por uma narrativa moralista, elitista e seletiva.
Não se discute o funcionamento real das plataformas. Não se fala dos fluxos de pagamento, das relações com fintechs, da publicidade disfarçada ou da manipulação de mercado.
Fala-se de “pecado”, de “falta de dignidade”, de “mau exemplo” — como se o país inteiro tivesse sido capturado por uma espécie de cruzada moral de última hora.
No fundo, o que se vê é uma tentativa de transformar o setor de apostas num bode expiatório conveniente. E o tom desse julgamento não vem de baixo para cima.
Vem de cima para baixo. São políticos, celebridades e colunistas de lifestyle ditando o que é certo ou errado para quem joga — quase sempre pobres, periféricos, trabalhadores tentando ganhar um extra no Pix.

Quando o moralismo fala mais alto que os dados
É evidente que o setor de apostas online tem problemas. Vazamento de dados, saques bloqueados, publicidade agressiva, vício disfarçado de diversão. Mas esses problemas não são resolvidos com sermão. São resolvidos com educação.
O Brasil aprovou a Lei nº 14.790/2023 para regular esse mercado. Criou a Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA). Estabeleceu critérios, limites, exigências de licenciamento.
No entanto, mesmo com o marco legal em vigor, o discurso dominante continua sendo de criminalização cultural.
Veja bem: não se ataca as casas sem licença. Não se ataca os contratos mal explicados. Ataca-se o ato de apostar. A prática. O jogador. O influenciador. O operário que resolveu tentar a sorte num slot.
O problema deixou de ser o mercado informal e passou a ser o comportamento de quem participa.
A farsa da “dignidade” seletiva
Quando o padre Patrick Fernandes diz em vídeo que “a CPI também precisa ouvir quem tem a dignidade de não aceitar dinheiro de apostas”, ele não está apenas contando sua experiência pastoral.
Ele está definindo uma régua moral. Está dizendo, nas entrelinhas, que quem trabalha com apostas não tem dignidade.
E quem repete isso são justamente os setores mais blindados da sociedade.
É fácil demonizar as apostas quando nunca se precisou escolher entre um momento de lazer acessível e o peso de contas acumuladas. A realidade é que, para muitos, o jogo não é só diversão, é também uma tentativa de escapar, de sentir algum controle diante da escassez.
E é justamente por isso que o setor precisa de responsabilidade redobrada: porque não estamos lidando apenas com entretenimento, mas com expectativas reais de quem tem pouco e arrisca muito.
O problema não é o pobre jogar — é quando o mercado aposta na vulnerabilidade de quem joga sem oferecer proteção. Jogo responsável exige reconhecer isso, sem romantizar a aposta como alternativa financeira, mas também sem tratá-la como crime moral.
É o rico dizendo ao pobre como ele deve se comportar.
Quem joga, por que joga?
Os dados disponíveis sobre apostas online no Brasil mostram que o público não é composto por “viciados inconsequentes”, como certos discursos tentam pintar.
São majoritariamente homens entre 18 e 45 anos, trabalhadores, usuários de Pix, e que lidam com a plataforma como forma de lazer de baixo custo.
Sim, há casos de vício. Sim, há problemas sérios. Mas são a minoria — e devem ser tratados com políticas públicas, campanhas de informação, filtros de jogo responsável e apoio psicológico, não com culpa e humilhação.
Quando a elite política, artística e religiosa fala sobre apostas, raramente o faz a partir da vivência de quem joga.
Fala do alto da sua suposta moral — e o faz para plateia. Para engajamento. Para likes.
Não para proteger o consumidor, mas para reforçar um lugar de superioridade simbólica.
O duplo padrão: cassino de rico é “experiência”, de pobre é “vício”
É curioso notar como a crítica às apostas é seletiva. Quando celebridades frequentam cassinos de Las Vegas, Mônaco ou Punta del Este, o jogo é tratado como “experiência internacional”. Como parte do luxo. Da sofisticação.
Mas quando o mesmo jogo é acessado via app por um motoboy em São Miguel Paulista, é “vício”, “manipulação”, “ameaça social”.
O mesmo produto é julgado por quem consome — não pelo que representa.
Isso se repete na publicidade. Quando a NetBet anuncia no estádio da Premier League, é marketing esportivo. Quando o rosto de um streamer aparece num reels patrocinado, é “exploração digital de menores”.
Esse duplo padrão não é ingenuidade. É estrutura. É projeto. É a tentativa de impedir que setores populares se apropriem de ferramentas que antes pertenciam só ao topo.
“Ah, mas o pobre não tem dinheiro pra jogar e o rico tem…”
Essa frase, apesar de soar empática, revela um veneno paternalista. Supõe que o pobre não sabe fazer escolhas, não entende riscos, não tem agência sobre sua própria vida. E por isso, precisa ser tutelado... mas o dízimo ele pode pagar.
Mas o pobre aposta não por ignorância, e sim porque muitas vezes é o único momento em que sente que pode virar o jogo. É lazer acessível. É sonho rápido.
É escape do cotidiano. E sim, também pode ser armadilha — mas não é diferente do que o rico faz em Mônaco, apenas menos sofisticado aos olhos de quem julga.
Se há risco, a resposta não é condenação — é regulação, transparência, educação financeira e proteção real ao consumidor.
Porque ninguém proíbe o rico de gastar o que quiser no cassino físico. Mas quando o pobre faz um Pix de R$ 10 para jogar no celular, aparece alguém dizendo o que ele pode ou não fazer com o próprio dinheiro.
A crítica precisa ser estrutural — e não seletiva.
Vamos falar de jogo responsável? Vamos.
Mas jogo responsável não pode ser sinônimo de censura seletiva. Não pode servir para justificar a criminalização simbólica do lazer popular. Jogo responsável é sobre proteção real. É sobre rastreamento de comportamento de risco. É sobre controle de tempo, limite de perda, autoexclusão e acesso ao suporte psicológico.
Não é sobre “o que você deveria estar fazendo com seu tempo e seu dinheiro”. Não é sobre moldar o comportamento do outro com base nos seus próprios valores de classe.
Não é sobre fetichizar o pobre como uma figura que precisa ser “protegida” por quem acredita saber o que é melhor para ele.
Porque essa imagem do pobre que precisa ser salvo de si mesmo não é nova. É velha. E perigosamente elitista.
É a reprodução do mesmo discurso que impede avanços sociais, culpabiliza a vítima e perpetua desigualdade — agora com uma nova roupagem: a do jogo.
O que precisa ser dito antes de demonizar as apostas
O setor de apostas precisa de regulação, sim.
Precisa de fiscalização, sim.
Precisa de responsabilização por abusos, sim.
Mas também precisa ser compreendido como uma atividade econômica, cultural e social legítima.
É contraditório que um país que legalizou o setor em 2023 continue tratando o apostador como criminoso, o influenciador como cúmplice e o operador como charlatão.
É contraditório que se exijam “bons exemplos” na CPI enquanto nenhum senador entende o funcionamento técnico dos sistemas de odds.
É contraditório que se usem padres, joguinhos ao vivo e manchetes com palavras como “vício” e “pandemia” para desviar do que realmente importa: o Brasil precisa decidir se quer um mercado ético e legal — ou se prefere continuar alimentando o caos para manter o controle nas mãos de poucos.
Considerações finais
A demonização das apostas online no Brasil não é apenas uma questão de segurança, vício ou legislação. É uma disputa simbólica por quem tem o direito de escolher como vive, se diverte e consome.
Por trás de cada discurso indignado na CPI, há um juízo de valor travestido de proteção.
Por trás de cada manchete alarmista, há uma tentativa de dizer ao outro que ele não sabe o que está fazendo — que precisa ser guiado, censurado, corrigido.
Mas o povo não precisa de tutela. Precisa de regras claras, casas licenciadas, publicidade transparente, canais de denúncia e limites bem definidos.
E precisa, acima de tudo, que se parem de usar Deus, celebridade ou cargo político como instrumento para decidir o que ele pode ou não fazer com R$ 10 em um domingo à noite.
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