O limite fiscal das apostas online
- Fred Azevedo
- 4 de jun.
- 6 min de leitura
Atualizado: 9 de jun.
Em nova etapa do debate sobre a tributação das apostas no Brasil, especialistas alertam para o risco de confisco, insegurança jurídica e destruição do setor regulado — e cobram coerência do Estado brasileiro.
Um alerta jurídico com potencial para ressignificar o debate fiscal sobre o setor de apostas online foi publicado no dia 4 de junho de 2025 no portal BNLData.
O texto, assinado pelos advogados tributaristas Eric Hadmann Jasper e Phillip Handow Krauspenhar, afirma com todas as letras: elevar a carga tributária sobre as plataformas reguladas pode configurar confisco — o que é vedado pela Constituição Federal.
A análise técnica vem na esteira de duas matérias já publicadas pelo portal Fred Azevedo:
Agora, com o parecer jurídico publicado por Magno José no BNLData, o tema ganha nova densidade e uma base constitucional sólida: o Estado não pode, por meio de tributos, inviabilizar uma atividade que ele mesmo reconheceu como legal.
Um imposto contra o próprio sistema?
Com a revogação parcial do aumento do IOF — inicialmente estimado em R$ 20 bilhões de arrecadação anual — cresceu a pressão por medidas compensatórias.
E, mais uma vez, as apostas apareceram como alvo fácil. A ideia em circulação em Brasília é simples (e perigosa): tributar mais quem “pode pagar”.
O problema é que o setor já paga. E muito. As operadoras licenciadas enfrentam hoje uma carga que pode ultrapassar 42% da receita, somando GGR (12%), PIS/Cofins (9,25%), ISS (até 5%), IRPJ (25%) e CSLL (9%).
A isso se somam taxas de fiscalização que podem chegar a R$ 2 milhões mensais por operador — e a perspectiva de um novo Imposto Seletivo.
Com a reforma tributária em andamento, substituindo PIS/Cofins e ISS por CBS e IBS, a projeção é de um acréscimo de mais 13% sobre o faturamento. Resultado? Uma carga total que pode beirar os 50%.
E é aqui que entra a tese central do artigo de Jasper e Krauspenhar: a tributação punitiva, cumulativa e desproporcional viola o princípio constitucional do não confisco.

O princípio do não confisco e a realidade fiscal das bets
O art. 150, IV da Constituição Federal é categórico: é vedado à União, aos Estados e aos Municípios utilizar tributos com efeito de confisco.
O Supremo Tribunal Federal, em diversas decisões, já reafirmou que tributos não podem inviabilizar a atividade econômica lícita nem impedir a sobrevivência financeira do contribuinte.
No caso das apostas, a questão é ainda mais delicada. A Lei nº 14.790/2023 reconhece a atividade como legal e regulada.
Isso implica que qualquer tentativa de inviabilizá-la por via tributária seria uma contradição jurídica e institucional grave.
A analogia com o tratamento dado às multas fiscais ajuda a compreender a gravidade: o STF já limitou multas punitivas em 20% do débito tributário (Tema 816) e discute, no Tema 863, um teto de 100% para penalidades por sonegação.
Ora, se até punições estão sujeitas a limites constitucionais, como justificar tributos que, somados, extraem metade ou mais da receita bruta de um setor inteiro?
A tese da “sin tax” e o perigo da demagogia regulatória
Alguns defensores da majoração tributária tentam classificar as apostas como uma “atividade de risco social”, comparando sua tributação à de cigarro e álcool. Isso permitiria, em tese, a imposição de uma “sin tax”, ou imposto corretivo.
Mas há dois problemas centrais nesse argumento:
A atividade de apostas é legal e regulamentada. O Estado não pode usar o imposto como instrumento de proibição indireta.
As empresas já cumprem requisitos rigorosos de compliance, jogo responsável, prevenção à lavagem de dinheiro, certificação tecnológica e contribuição social direta.
Aplicar sobre elas uma carga tributária que ultrapassa o limiar da sustentabilidade não é apenas inconstitucional — é contraproducente.
O paradoxo arrecadatório: mais imposto, menos arrecadação
Ao contrário do que sugere o senso comum, tributar mais nem sempre significa arrecadar mais. No caso das apostas, aumentar desproporcionalmente a carga pode:
Encorajar a migração para plataformas ilegais, que não pagam impostos, não seguem regras e não oferecem proteção ao consumidor;
Desestimular a permanência de operadores licenciados, que já investiram mais de R$ 2,4 bilhões em outorgas;
Colapsar a base tributável, reduzindo o número de players formais e ampliando a informalidade.
Segundo o Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR), o mercado ilegal já representa mais de 50% dos gastos com apostas no país — algo entre R$ 6,5 bilhões e R$ 7 bilhões por mês.
Um aumento abrupto de impostos pode agravar ainda mais esse desequilíbrio.
Segurança jurídica, confiança e previsibilidade
Outro aspecto fundamental levantado no artigo do BNLData é o da segurança jurídica. Os operadores adquiriram suas licenças com base em premissas legais e econômicas estabelecidas.
Mudar radicalmente essas regras sem transição e sem escuta qualificada pode configurar quebra de confiança legítima, abrir espaço para judicialização e afugentar novos investimentos.
Além disso, compromete a reputação do país enquanto destino de negócios estruturados em compliance, estabilidade e regulação técnica.
O argumento da capacidade contributiva
A Constituição também determina, no art. 145, §1º, que os impostos devem ser graduados conforme a capacidade econômica do contribuinte. Para empresas, isso significa respeitar a capacidade de gerar lucro e sustentar a operação.
Tributar não é expropriar. E o Estado não pode tributar com base numa suposta “capacidade de arrecadar”, ignorando a realidade econômica da operação.
O que o governo deveria fazer — e não está fazendo
A urgência fiscal do governo é real. Mas a solução não pode ser tapar buraco com tesoura. Em vez de aumentar impostos sobre um setor já legalizado e onerado, o Estado deveria:
Combater com firmeza o mercado ilegal, que hoje fatura bilhões à margem da lei;
Fortalecer a fiscalização da SPA, dando meios para a Secretaria monitorar o setor com tecnologia e pessoal qualificado;
Criar mecanismos de cooperação com estados e municípios, para impedir a proliferação de “loterias de fachada”;
Ampliar o uso dos dados da regulação para política pública real, especialmente em Jogo Responsável e proteção ao consumidor.
O risco de matar o setor legal no berço
O Brasil está diante de uma escolha crítica.
Pode transformar o setor de apostas num modelo regulatório robusto, com arrecadação estável, proteção ao consumidor e geração de empregos.
Ou pode sucumbir à tentação do confisco tributário — e destruir o próprio mercado que ajudou a criar.
Mais do que nunca, é hora de separar o discurso fácil da política pública responsável.
A tributação deve existir. Mas deve ser proporcional, constitucional e sustentável. A violação desses princípios transforma o imposto em punição — e a punição em retrocesso.
Nota editorial
Este artigo integra a série analítica do Portal Fred Azevedo dedicada ao avanço da regulação e da tributação no setor de apostas no Brasil. Ao longo dos últimos meses, acompanhamos atentamente a formulação das políticas públicas que envolvem o segmento e buscamos contribuir com dados, argumentos jurídicos e visões complementares — inclusive quando há divergência entre diferentes atores institucionais.
Entendemos que o Estado brasileiro enfrenta um desafio real de equilíbrio fiscal e que o setor de apostas, por seu crescimento acelerado, naturalmente atrai atenção tributária. Também reconhecemos o papel legítimo do governo em buscar arrecadação, corrigir distorções e regular de forma responsável um mercado de alta complexidade social e financeira.
No entanto, como destacam os especialistas citados nesta análise, é preciso cuidado para que o impulso arrecadatório não comprometa a viabilidade do próprio mercado legal — ainda em fase inicial de consolidação.
A carga tributária deve ser sustentável, proporcional e coerente com os objetivos da própria política pública que a institui.
Mais do que escolher um lado, o Portal busca promover o diálogo técnico, jurídico e institucional entre governo, operadores, associações, sociedade civil e consumidores.
Acreditamos que uma regulação sólida e uma tributação equilibrada podem caminhar juntas — e que esse equilíbrio se constrói com escuta, dados, responsabilidade e visão de longo prazo.
Permanecemos abertos a manifestações de todas as partes envolvidas e seguimos comprometidos com uma cobertura crítica, porém respeitosa, a favor de um mercado justo, transparente e que sirva ao interesse público.
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