Para onde foi o dinheiro das bets?
- Fred Azevedo
- há 2 dias
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Atualizado: há 2 dias
Deputado cobra transparência do governo sobre arrecadação e destino dos tributos do setor
Desde janeiro, o setor de apostas está regulado. As empresas pagam impostos, operam sob licença e cumprem obrigações legais. Mas o governo ainda não prestou contas — e o Congresso agora cobra resposta formal.
No fim de maio, o deputado federal Caio Vianna (PSD-RJ) protocolou um requerimento de informação dirigido ao Ministério da Fazenda, exigindo que o governo apresente dados detalhados sobre a arrecadação proveniente do mercado de apostas online no Brasil.
A pergunta que guia o documento é simples, mas poderosa: afinal, para onde foi o dinheiro das bets?
Uma pergunta direta: onde está o dinheiro das bets?
Desde 1º de janeiro de 2025, com a entrada em vigor da Lei nº 14.790/2023, as casas de apostas esportivas de quota fixa passaram a operar sob licença federal e a recolher impostos de forma regular.
A principal cobrança é o chamado gaming tax — uma alíquota de 12% (e, desde a MP 1.179/2025, 18%) sobre a receita líquida das operadoras, conhecida como GGR (Gross Gaming Revenue).
Destinação obrigatória: o que a lei prevê
O texto legal estabelece que o produto dessa arrecadação seja destinado a uma série de áreas estratégicas: educação básica pública, esporte olímpico e paralímpico, saúde, turismo, segurança pública, seguridade social e entidades filantrópicas.
Na teoria, o modelo é moderno, equilibrado e socialmente justo. Na prática, no entanto, o governo ainda não publicou nenhum relatório oficial com os valores efetivamente arrecadados nem apresentou qualquer prestação de contas pública sobre quanto foi repassado — e a quem. É esse o vácuo que o requerimento de Vianna pretende preencher.
Segundo o deputado, a falta de transparência mina a credibilidade da regulação. Se o governo exige que operadoras sejam auditadas, certificadas e reportem sua movimentação financeira, é razoável que ele também seja cobrado a demonstrar o que fez com os tributos recolhidos.

Transparência como parte da regulação: o que o requerimento exige
Vianna argumenta que esse tipo de informação não só fortalece o controle fiscal e parlamentar, como também é essencial para que a sociedade veja na regulação um instrumento de política pública — e não apenas de arrecadação.
O requerimento solicita informações consolidadas sobre o total arrecadado com o GGR desde janeiro, mas também exige discriminação detalhada por área de destino, por órgão gestor, por ação orçamentária e por finalidade da despesa.
O objetivo não é apenas saber quanto se arrecadou, mas se o dinheiro chegou ao seu destino — e se está sendo executado com finalidade pública clara.
A ausência desses dados não é apenas um problema técnico. É uma fragilidade política e institucional. O governo Lula tem afirmado, com frequência, que o aumento da carga tributária sobre o setor — incluindo o reajuste de 12% para 18% no GGR e a proposta de criação de uma nova CIDE sobre transferências — é necessário para manter os investimentos sociais.
Mas, até agora, nenhuma dessas justificativas veio acompanhada de prova concreta de que os recursos anteriores foram efetivamente bem aplicados.
O risco dessa omissão é evidente: o setor começa a desconfiar que está sendo tratado apenas como fonte emergencial de caixa, sem retorno institucional. E, mais grave, a população — especialmente os jogadores que apostam sob regras legais — pode passar a ver a regulação não como proteção, mas como castigo.
A consequência disso é previsível: deslegitimação do modelo legal, aumento da informalidade e crescimento do mercado pirata.
O que diz a lei: percentuais e obrigações
A Lei nº 14.790/2023 é clara. Ela estabelece percentuais obrigatórios para cada área beneficiada. A educação básica pública, por exemplo, deve receber 10% dos recursos, distribuídos entre o Programa Dinheiro Direto na Escola e as escolas técnicas estaduais.
O esporte, por sua vez, é contemplado com mais de 30%, englobando desde os Comitês Olímpico e Paralímpico até as secretarias estaduais. Turismo, segurança pública, saúde mental (com foco em ludopatia), seguridade e entidades civis também são diretamente beneficiadas.
É um desenho que, no papel, posiciona o Brasil entre os países que mais integram políticas sociais com recursos de jogo legal.
Mas sem transparência, até mesmo um modelo virtuoso perde força. O governo federal já demonstrou sua capacidade de arrecadação ao captar mais de R$ 2,3 bilhões com as outorgas iniciais das operadoras licenciadas.
No entanto, nem mesmo essa informação foi amplamente divulgada em canais institucionais de fácil acesso — e a arrecadação mensal via GGR permanece em silêncio absoluto.
Conclusão: a transparência como pilar da regulação
O pedido de Caio Vianna ganha ainda mais força num contexto político em que o governo tenta aumentar sua arrecadação a qualquer custo, enfrentando resistência tanto da sociedade quanto do Congresso.
Propostas como a CIDE-Bets, que pretende tributar em 15% os depósitos realizados pelos jogadores, são apresentadas como solução fiscal, mas não vêm acompanhadas de mecanismos de prestação de contas, tampouco de garantias de que o dinheiro vá, de fato, para as finalidades sociais previstas.
O requerimento ainda aguarda designação de relator na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados. Se aprovado, a Fazenda terá o prazo legal de 30 dias úteis para apresentar resposta.
A depender da extensão dos dados requeridos, essa resposta pode servir de base para futuras comissões, projetos de lei complementares e debates sobre o aprimoramento do modelo.
Mais do que um ato de fiscalização, o pedido do deputado representa um gesto de maturidade institucional. A regulação de mercados sensíveis como o de apostas precisa se basear em três pilares: responsabilidade do setor privado, eficácia da fiscalização pública e transparência sobre a destinação dos recursos.
O Brasil já cumpriu a primeira etapa. Mas ainda está atrasado nas duas seguintes.
A dúvida não é retórica: para onde foi o dinheiro das bets?
Nota editorial
O Portal Fred Azevedo defende uma regulação firme, inteligente e transparente do mercado de apostas no Brasil.
O contribuinte — e o jogador legal — têm o direito de saber onde estão os bilhões já arrecadados com a nova lei. A omissão sobre a aplicação desses recursos fragiliza a confiança no modelo regulatório e abre espaço para retrocessos. Seguiremos cobrando, de forma técnica e consistente, que o pacto fiscal firmado com o setor seja respeitado também pelo poder público.