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PIX no crédito: a gambiarra dos bancos para driblar a proibição do cartão nas apostas

  • Foto do escritor: Fred Azevedo
    Fred Azevedo
  • 23 de jun.
  • 8 min de leitura

Atualizado: há 5 dias

Enquanto casas de apostas legalizadas são proibidas de aceitar cartão de crédito para depósitos — por motivos óbvios de proteção ao consumidor — os bancos brasileiros parecem ter encontrado um atalho conveniente: o chamado Pix no crédito.



Essa função, disponível em praticamente todos os grandes bancos e fintechs, permite que o cliente realize um Pix mesmo sem saldo, jogando a operação direto para a fatura do cartão. O que antes era proibido por via direta, agora volta pela porta dos fundos. E o pior: com apoio publicitário em pleno horário nobre.


Imagem ilustrativa de homem assistindo à TV enquanto segura um celular com aplicativo bancário, entre anúncios de apostas e crédito.
Imagem ilustrativa de homem assistindo à TV enquanto segura um celular com aplicativo bancário, entre anúncios de apostas e crédito.

Crédito disfarçado de Pix: a propaganda bancária no meio do jogo


A denúncia foi feita publicamente por Rafael Ávila, coordenador do projeto SOS Jogador, em uma publicação no LinkedIn após assistir aos jogos da Copa do Mundo de Clubes.


Enquanto o intervalo das partidas exibia propagandas de casas de apostas exaltando a velocidade dos depósitos por Pix, uma outra peça se destacou — e revoltou quem acompanha de perto os impactos do vício em jogo.


Era o anúncio de um banco promovendo abertamente o uso do Pix no crédito, com a seguinte chamada:


“Se não tem dinheiro agora, faça Pix no crédito.”

A mensagem não parece ter sido colocada ali por acaso. O mesmo intervalo comercial reunia várias campanhas de operadoras de aposta. Para o apostador vulnerável — especialmente os jogadores impulsivos ou compulsivos —, a sequência publicitária é um gatilho: continue apostando, mesmo sem saldo. A dívida vem depois.


Os bancos sabem o que estão fazendo


O uso do Pix no crédito para abastecer contas de apostas não é acidente — é estratégia. A prática já vinha sendo alertada por entidades de apoio a jogadores com transtorno do jogo desde o fim de 2023. Mesmo com a proibição explícita de depósitos por cartão de crédito em casas reguladas, os apostadores continuam acessando o crédito por meio dessa função oferecida diretamente pelos bancos.


A engenharia é simples: o jogador solicita um Pix para a casa de apostas usando o limite do cartão. O banco executa a operação como se fosse um pagamento à vista — mas cobra tudo na fatura. Para o sistema de pagamento da operadora, é só mais um Pix comum. Não há como rastrear a origem real do dinheiro. Não há bloqueio possível por parte das casas. O buraco é anterior — e institucional.


Mais grave ainda: são os próprios bancos que pressionaram para que a regulamentação banisse o uso direto do cartão nas bets, sob o argumento de responsabilidade. Agora, são essas mesmas instituições que oferecem — e anunciam — a alternativa camuflada.


Não é ignorância. É conveniência.


Ao promoverem o Pix no crédito como “solução financeira”, inclusive durante transmissões esportivas recheadas de propagandas de apostas, os bancos transferem o risco — e o estrago — para o jogador. Mas escapam da manchete, da CPI, da indignação pública.



Uso de cartão de crédito é terminantemente proibido


A Portaria Normativa SPA/MF nº 615/2024, publicada pelo Ministério da Fazenda, não deixa espaço para interpretações. Ela estabelece, de forma direta, que instrumentos de crédito não podem ser utilizados para abastecer contas de apostas — e isso inclui, sem exceção, o cartão de crédito.


Art. 6º — Portaria SPA/MF nº 615/2024


“É vedado o uso de cartão de crédito, cheque ou qualquer outro instrumento pós-pago para a realização de depósito nas contas transacionais dos apostadores.”

Essa frase encerra qualquer discussão: não pode usar cartão para apostar. Nem diretamente, nem por meio de atalhos tecnológicos como o Pix no crédito. Qualquer meio de pagamento que gere dívida futura está automaticamente fora da legalidade.


É exatamente isso que o Pix no crédito viola. Ele disfarça uma operação de crédito como se fosse uma transferência com saldo real — e com isso, burlam-se as regras feitas para proteger o jogador.


A função fere o princípio da proteção e da transparência


A mesma portaria, em seu artigo anterior, reforça o dever de rastreabilidade:


Art. 5º — Portaria SPA/MF nº 615/2024


“Os pagamentos e transferências eletrônicas devem ocorrer de forma a permitir a identificação clara da origem dos recursos e a vinculação com a conta transacional do apostador.”

No caso do Pix no crédito, esse princípio é comprometido.


A origem real dos fundos — o limite do cartão — fica oculta na transação.Para a operadora de apostas, chega um Pix como qualquer outro. Para o banco, foi uma operação parcelada. O jogador aposta com dinheiro que ainda nem existe na conta — e a dívida aparece só depois, na fatura.

A Lei 14.790/2023 reforça a lógica: jogo com saldo real, não com crédito camuflado


Se a portaria já veda o uso de crédito de forma clara, a Lei nº 14.790/2023 estabelece o fundamento do sistema regulado de apostas: transparência, rastreabilidade e responsabilidade no fluxo de recursos.


Art. 22 — Lei nº 14.790/2023


“É exclusiva de instituições brasileiras autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil a oferta de contas transacionais ou de serviços financeiros de qualquer natureza que permitam ao apostador: I – efetuar depósitos e saques em sua conta gráfica perante o operador de aposta; ou II – receber os valores de prêmios que lhe sejam devidos.”

Isso significa que apenas instituições reguladas pelo Banco Central podem operar o sistema de pagamento — e elas devem garantir que tudo ocorra com fundos próprios, origem identificável e proteção ao usuário.


Quando um banco oferece a função Pix no crédito, ele distorce essa estrutura, camufla uma dívida como se fosse saldo e compromete a rastreabilidade exigida por lei.


A engenharia da dívida camuflada


A lógica é perversa:

  • O cartão de crédito está proibido.

  • O Pix está liberado — porque pressupõe uso de saldo próprio.

  • O banco une os dois, camuflando um no outro.

  • O jogador endividado continua apostando — só que agora com aval institucional.


Para o sistema da operadora, é um Pix comum. Para o banco, é uma dívida parcelada.


Para o apostador vulnerável, é mais uma forma de manter o vício ativo. E para o Estado, é um rombo ético: o crédito que foi banido pela porta volta pela janela, fantasiado de pagamento à vista.


Não é brecha. É violação direta.


Essa não é uma “zona cinzenta”. O uso de crédito rotativo — qualquer que seja sua forma — é proibido na regulamentação das apostas. O Pix no crédito não é uma exceção não prevista. Ele é exatamente o tipo de operação que a lei e a portaria quiseram barrar.


O que falta não é norma. É fiscalização. É cobrança.


É coragem política para enfrentar um setor — o bancário — que lucra com o descontrole alheio enquanto aponta o dedo para os operadores de aposta.



E as casas de apostas?


A cada escândalo envolvendo vício, dívida ou compulsão, o discurso é o mesmo: “as bets estão destruindo o brasileiro”.


Só que, nesse caso, há uma inversão perversa — e uma injustiça que precisa ser nomeada.


Quando um jogador usa o Pix no crédito para abastecer sua conta de apostas, a casa operadora não tem como saber que aquele valor veio de um cartão. Para o sistema, o Pix chegou como qualquer outro: valor à vista, transferido por uma conta bancária válida, registrada em nome do titular.


Não há campo, metadado, sinal técnico ou protocolo público que indique: “esse Pix veio do limite do cartão”.A transação é legal, regular e irreversível. E quem processou a função de crédito foi o banco emissor, não a operadora.


A responsabilidade, portanto, não pode recair sobre quem recebeu o valor — mas sim sobre quem ofereceu a função que violou as regras do setor. Ou seja, o banco que camuflou crédito como Pix à vista.


Ambiente vigiado, operador exposto


As casas de apostas legalizadas no Brasil operam sob um regime altamente regulado e em constante escrutínio. Estão sujeitas a:

  • Auditorias técnicas periódicas,

  • Regras rígidas de KYC e verificação de identidade,

  • Limites de publicidade,

  • Obrigações de jogo responsável,

  • Sanções administrativas por falhas operacionais.


Além disso, são cobradas publicamente pela mídia, pelo Ministério da Fazenda, por órgãos de defesa do consumidor e, não raro, pelo Congresso Nacional.


Enquanto isso, o setor bancário segue operando no escuro.


Nenhum banco foi denunciado por liberar Pix no crédito para contas de apostas. Nenhuma CPI mencionou a função. Nenhuma propaganda institucional alertou para o risco de endividamento que nasce dentro dos próprios apps bancários. O foco, sempre, está na “casa” — mesmo quando ela não tem controle sobre o fato gerador da dívida.


E os jogadores, gastam quanto?


Antes de culpar o jogador pelo próprio descontrole, vale olhar os dados.


A narrativa de que os brasileiros estão se arruinando com apostas não encontra respaldo nos dados reais de consumo. Um estudo recente da Playtech, divulgado com exclusividade pelo portal em fevereiro de 2025, mostrou que a grande maioria dos jogadores brasileiros mantém um padrão de gasto mensal moderado — muitas vezes inferior ao custo de um serviço de streaming.


Segundo o levantamento:

  • 30% dos brasileiros gastam entre R$ 50 e R$ 100 por mês com jogos online;

  • 23% gastam menos de R$ 50;

  • e outros 23% ficam entre R$ 101 e R$ 200.


Apenas 6% afirmam gastar mais de R$ 500, e só 3% ultrapassam a faixa de R$ 1.000 — o que, dentro do universo pesquisado, é exceção, não regra.


Esses dados mostram que o comportamento predominante é de moderação, não de risco descontrolado. O problema não está necessariamente em quanto se joga — mas nas condições em que esse jogo ocorre, como quando o crédito bancário é introduzido de forma disfarçada, contrariando o que diz a legislação.



Jogar com saldo ou com dívida: há uma diferença gigantesca


O ecossistema de apostas foi desenhado — em lei — para ser operado com dinheiro disponível, não com crédito rotativo.


As operadoras legalizadas sabem disso. E, por isso, removem o cartão de crédito das opções. Monitoram o comportamento do jogador. Informam sobre vício e oferecem mecanismos de autoexclusão.


Já os bancos, que deviam ser parte da contenção, viraram facilitadores. Fornecem a escada para o jogador cair — e assistem de longe quando ele bate no chão.


Quando a dívida explode, não é o banco que aparece no jornal.Quando o vício cresce, não é o app bancário que vai parar no Fantástico.Quando a CPI convoca audiência, não são os executivos do setor financeiro que precisam se explicar.


É sempre a casa de apostas que vira manchete.

Mesmo quando fez tudo certo.

Cadê a mídia? Cadê o Congresso?


A ironia final é amarga.


Quando influenciadores prometem bônus milagrosos ou distorcem campanhas, a reação é instantânea: reportagem, trending topic, CPI. Quando uma casa de apostas atrasa saques, o setor inteiro é arrastado para o banco dos réus da opinião pública.


Mas e quando um banco nacional — sólido, auditado, supervisionado — promove uma função que viola abertamente a regulamentação das apostas, estimula o endividamento do jogador compulsivo e camufla uma operação de crédito como se fosse dinheiro à vista?


Silêncio.


Não houve editorial indignado no jornal das oito.Não houve reportagem investigativa em horário nobre.Não houve pedido formal de explicação ao Banco Central. Não houve convocação parlamentar para esclarecer o uso de cartões nas apostas.


E por quê?


Porque casa de aposta é vilã fácil. Banco, não. Banco patrocina, empresta, negocia dívida pública. Banco tem lobby, tem blindagem institucional. Banco não estampa o nome no link de afiliado — mas opera nas entrelinhas da fatura.


A função Pix no crédito é uma bomba regulatória silenciosa.E enquanto ela continuar sendo tratada como inovação financeira — e não como desvio de finalidade —, quem vai pagar a conta é o mesmo de sempre: o jogador real, com CPF limpo e esperança na mão.


Nota editorial


Este artigo não busca absolver operadoras de aposta nem desviar o foco da proteção ao consumidor. O que está em pauta aqui é o silêncio seletivo — e o desequilíbrio na cobrança pública.


Enquanto casas legalizadas seguem regras, limitam meios de pagamento e são cobradas diariamente por órgãos, mídia e sociedade, os bancos camuflam crédito, empurram dívidas e escapam da responsabilização.


Nosso compromisso é com o jogador honesto. Aquele que joga com o que pode, que respeita os limites e que não merece ser enganado por termos escondidos, promoções opacas ou atalhos bancários que transformam entretenimento em armadilha financeira.


Aqui, a pauta é o Pix no crédito. Mas a pergunta é maior: por que quem financia o problema nunca está na manchete?


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Atenção

Jogue com moderação e dentro de suas possibilidades. O jogo é uma forma de lazer, não uma solução financeira.

© 2025 por Frederico de Azevedo Aranha

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